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quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O futuro não virá dos carros

O diretor das Nações Unidas para o meio ambiente diz que os novos empregos estarão nas indústrias limpas

Alexandre Mansur

O mundo vive hoje duas crises. Uma financeira, outra ambiental. Para o economista alemão (nascido no Brasil) Achim Steiner, diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a saída para ambas passa pelo mesmo caminho: investimento em tecnologias limpas e eficiência energética que nos ajudem a reduzir as emissões de poluentes causadores do aquecimento global. O plano proposto por Steiner foi batizado de New Green Deal (Novo Pacto Verde), em alusão ao New Deal dos anos 30 nos Estados Unidos. Em entrevista a ÉPOCA, ele diz que a energia renovável já emprega mais gente hoje que a indústria de petróleo e gás. E que o Brasil, que reduz o imposto dos automóveis para estimular a economia, precisa avaliar se o transporte individual tem reais perspectivas de gerar empregos, desenvolvimento e competitividade para o país nos próximos anos.

ENTREVISTA – ACHIM STEINER

Michael Kappeler
QUEM É Nasceu em Carazinho, Rio Grande do Sul, onde viveu até os 10 anos. É alemão, casado e tem dois filhos, de 8 e 6 anos

O QUE FAZ
Diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Foi diretor do IUCN, a maior organização científica ligada a conservação

ONDE ESTUDOU
Estudou economia nas universidades de Oxford e de Londres. Leciona na Escola de Negócios Harvard, nos EUA, e no Instituto Alemão de Desenvolvimento, em Berlim

ÉPOCA – O senhor lançou, no ano passado, a iniciativa por um Novo Pacto Verde global. Que país o senhor apontaria como líder nesse movimento? Achim Steiner – Nenhum país serviria de modelo agora. Mas vários oferecem bons exemplos. O Brasil se beneficiou das mudanças climáticas porque seu programa de etanol, desenvolvido para atender a demandas domésticas, ganhou potencial de exportação. A Alemanha, que há dez anos criou taxas para estimular a produção independente de energia, virou o maior produtor de energia dos ventos do mundo. A Coreia do Norte, em plena crise econômica, empenhou 1% do PIB em investimentos verdes. Nos EUA, o pacote de estímulo econômico de Barack Obama destina US$ 80 bilhões para gerar empregos verdes. A China está empenhando US$ 60 bilhões nisso. Mas é pouco. Os governos ainda gastam US$ 300 bilhões por ano em subsídios a atividades poluentes, ligadas ao consumo de combustíveis fósseis, como os carros. Você não pode pegar US$ 2 trilhões a US$ 3 trilhões emprestados da próxima geração para montar pacotes contra a crise e investir em tecnologias de ontem. Precisa apostar nas de amanhã, como técnicas modernas de construção, eficiência energética, transporte público e agricultura sustentável. A indústria das células fotovoltaicas (que geram eletricidade pela luz do sol) acredita que em dois ou três anos poderá competir em preço com as usinas termoelétricas. É daí que surgirão os empregos das próximas décadas.

ÉPOCA – Um dos pontos importantes do pacote brasileiro de estímulo econômico foi o incentivo fiscal à indústria automobilística porque ela gera muito emprego.
Steiner – O auge de choque da crise financeira não é um bom momento para planejar a economia do futuro. É inquestionável que devemos estabilizar a economia, apoiando os setores existentes. Mas a economia verde já é uma grande empregadora. Segundo nossos levantamentos, em 2008 já há mais gente empregada no setor de energia renovável que na indústria de petróleo e gás. A Alemanha, o maior exportador do mundo, prevê que em dez anos terá mais empregos em tecnologias limpas que na indústria automobilística. A Siemens, uma das maiores multinacionais do país, diz que cerca de 20% de seu mercado global vem dos produtos de tecnologias limpas. Há seis anos, uma indústria têxtil na Índia percebeu a oportunidade de fazer geradores eólicos por causa dos blecautes. Virou a Suzlon, uma das maiores empresas de energia eólica do mundo. Na China, a Sun Tech virou, em seis anos, a terceira maior produtora de células fotovoltaicas do mundo. Sim, o Brasil tem seus automóveis. Mas precisa se perguntar como eles sobreviverão à transição que faremos à força para uma economia com menores emissões e menos transporte individual.

ÉPOCA – Em dezembro, representantes de todos os países vão se encontrar em Copenhague para tentar fechar um acordo global para as mudanças climáticas. O senhor está otimista?
Steiner – Não sabemos se os políticos conseguirão criar as condições necessárias para fazer o que os cientistas recomendam. Segundo os pesquisadores, precisamos parar de aumentar nossas emissões de gases poluentes entre 2015 e 2020. Nos últimos meses, vimos representantes de alguns países assumindo, em encontros internacionais, compromissos de longo prazo para reduzir as emissões até 2050. Mas o que conseguirmos em Copenhague será mais definido pela negociação política que pela necessidade científica. Isso me preocupa. Porque até agora não há acordo real entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre como trabalharão juntos para conseguir as reduções. Também não há definição sobre o financiamento internacional aos projetos de redução de emissões das nações em desenvolvimento. Além disso, países como os EUA e o Japão estão ainda propondo metas de reduções de curto prazo, para 2020, bem abaixo das propostas pela Europa.

ÉPOCA – Por que esse acordo de Copenhague é tão importante?
Steiner – Com base no que sabemos hoje sobre as mudanças climáticas, nossa civilização não está pronta para arcar com as consequências de um aquecimento maior que cerca de 2 graus célsius. Os custos seriam o equivalente a uma falência econômica global. Pesquisas brasileiras sugerem que esse grau de aquecimento tornaria impossível a manutenção da floresta amazônica. Não é apenas uma questão de ecossistemas e biodiversidade. A evaporação da floresta é uma bomba de água que alimenta boa parte do ciclo de chuvas em todo o continente. É apenas um exemplo dos sistemas naturais que seriam destruídos pelo grau de aquecimento para o qual estamos rumando hoje. Não podemos deixar essa herança para a próxima geração.

"Os governos ainda gastam US$ 300 bilhões subsidiando atividades poluentes, ligadas aos combustíveis fósseis"


ÉPOCA – Poucas nações cumpriram as metas acertadas em Kyoto, em 1997, e ninguém foi punido por isso. Por que seria diferente agora?
Steiner – À medida que as mudanças ficarem mais graves, as pressões entre os países vão aumentar. Já tivemos um debate quando o presidente Jacques Chirac, da França, sugeriu taxar as importações americanas porque os EUA não cumpriam as mesmas exigências ambientais que os europeus. Era uma desvantagem competitiva. A Organização Mundial do Comércio já indicou a possibilidade de aceitar tarifas para compensar os países que têm maiores restrições a emissões.

ÉPOCA – E se não houver consenso?
Steiner – Na pior das hipóteses, eles podem decidir concluir as negociações em uma reunião subsequente. Também vai depender em parte da pressão do público sobre seus representantes. Além disso, o desempenho dos países para um acordo do clima também vai ser julgado nas urnas dos países democráticos.

ÉPOCA – Será? Algum líder político já foi avaliado por sua atuação em relação a mudanças climáticas?
Steiner – Ninguém perde uma eleição apenas por causa de uma questão isolada. Mas há exemplos. O primeiro-ministro da Austrália, John Howard, foi derrotado em 2007, depois de quatro mandatos consecutivos. Uma das razões apontadas para a derrota foi sua posição muito conservadora nas negociações internacionais sobre o clima e nas medidas internas. Na França, o Partido Verde virou a segunda maior força no Congresso. Além disso, as mudanças climáticas são um fenômeno com várias consequências, e as pessoas avaliam se o governo oferece segurança, empregos, alimentos ou energia. Estou em Nairóbi, no Quênia, em uma região que terá de se adaptar à possível escassez de água. Isso pode ameaçar nossa produção de comida e de energia baseada em hidrelétricas.

ÉPOCA – Que limite de emissões evitaria o pior cenário das mudanças climáticas?
Steiner – Segundo os cientistas, devemos reduzir as emissões em 50% até 2050 para estabilizar o aquecimento em 2 graus célsius. É um tremendo desafio se você considerar que vários países ainda estão aumentando suas emissões. Para atingir essa meta global, o mundo precisa parar de aumentar suas emissões entre 2015 e 2020. Como ajudar países como a África do Sul ou a China a aumentar a oferta de energia para seus cidadãos sem ter de queimar mais carvão ou gás? Em Copenhague, os países ricos terão de estabelecer fundos para financiar a transição tecnológica e os investimentos em infraestrutura dos países em desenvolvimento. Mas, em última instância, acredito que teremos um acordo. Porque as consequências de não interrompermos o aquecimento são intoleráveis para a humanidade.
Retirado do site da Revista Época, em 18/08/2009

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